Univasf e PRS Caatinga capacitam os primeiros profissionais especializados em Tecnologias de Baixa Emissão de Carbono
Renata Freitas
Enquanto o mundo acompanha as discussões sobre preservação ambiental na Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP26), que acontece em Glasgow, na Escócia, a Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf) se aproxima da fase final de formação dos primeiros profissionais especializados em Tecnologias de Baixa Emissão de Carbono. Cerca de 600 pessoas de cinco estados do Nordeste participam, desde o início de outubro, do módulo prático do curso de Especialização em “Tecnologias de Baixa Emissão de Carbono Fortalecendo a Convivência com o Semiárido”, realizado em parceria com a Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável (FBDS), Governo Britânico, Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), no âmbito do Projeto Rural Sustentável Caatinga (PRS Caatinga). Ao concluir o curso, os participantes serão profissionais capacitados para lidar, em suas comunidades de origem, com ações e projetos destinados a reduzir a emissão de carbono na caatinga, contribuindo, assim, para a preservação ambiental desse bioma e, consequentemente, de todo o planeta.
O módulo prático, que acontece até meados de novembro, é composto por atividades imersivas, com visitas a diferentes instituições de ensino e pesquisa e entidades da sociedade civil organizada que atuam com educação e extensão rural, seguidas por momentos de discussão em sala de aula, no Espaço Plural da Univasf, em Juazeiro (BA). O grupo foi dividido em sete turmas com cerca de 80 estudantes cada. Os discentes são extensionistas rurais, agricultores, representantes de comunidades tradicionais e profissionais de nível técnico e superior com diferentes formações, que atuam em ações de desenvolvimento sustentável, agricultura familiar, agroecologia e educação no meio rural em 37 municípios dos estados de Pernambuco, Bahia, Piauí, Alagoas e Sergipe. No grupo, destaca-se a presença de muitos jovens e mulheres, assim como pessoas idosas e com deficiência, compondo um perfil bastante diverso.
Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada (Irpaa), Embrapa Semiárido, Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf), Cooperativa Agropecuária Familiar de Canudos, Uauá e Curaçá (Coopercuc) e a própria Univasf estão no roteiro percorrido pelos estudantes nas visitas práticas. O intuito é colocá-los em contato com ações de convivência com o semiárido já implementadas na região, cujos conceitos foram abordados nos módulos teóricos, realizados entre março e agosto, de forma remota, em virtude da pandemia de Covid-19.
Com bloco de anotações, caneta e celular para registrar tudo em texto, áudio e imagem, profissionais de diversas entidades e comunidades, entre as quais a Rede de Escolas Famílias Agrícolas Integradas do Semiárido (Refaisa), Associação Regional dos Grupos Solidários de Geração de Renda (Aresol), Associação Humana Povo para Povo Brasil (Humana Brasil) e Associação de Agricultores Alternativos de Alagoas (Aagra), enfrentaram o calor de uma segunda-feira, no último dia 25 de outubro, pós-chuva na região de Petrolina (PE), para conhecer as iniciativas de convivência com o semiárido implementadas pelo Irpaa, em Juazeiro, e a experiência de cooperativismo e empreendedorismo da Coopercuc, situada em Uauá (BA).
Multiplicadores – Sempre atentos, os coordenadores de projetos da Humana Brasil, José Raimundo da Conceição Souza e Júnior Simões Neto, consideram que o TecABC possibilitará a implementação de melhorias no trabalho de assistência técnica e extensão rural (ATER) que realizam nas comunidades. Eles participam de projetos em seis territórios da Bahia, atuando pela Organização Não-Governamental (ONG) que tem ações em 43 países. “O curso é inovador. Formaliza as tecnologias que a gente já desenvolve. Vamos levar o fortalecimento do aprendizado mais técnico, com um ânimo diferenciado, para replicar as boas práticas em projetos de ATER nas comunidades, associações e nos nossos espaços de luta, em que atuamos como pessoas”, conta Simões Neto.
Participar do TecABC possibilitou às extensionistas Elisandra Simões Ribeiro e Aline Alves Soares Santos consolidar seus conhecimentos e aprender conceitos de práticas que muitas vezes já são aplicadas nas comunidades onde trabalham. Elas são de Monte Santo (BA) e até recentemente atuavam juntas na Aresol, até o projeto do qual Elisandra fazia parte ser concluído. “O curso reforçou conceitos e possibilitou leituras que a gente não tinha. As áreas de gestão de contratos e práticas de acompanhamento das equipes técnicas chamaram muito minha atenção. As tecnologias que vimos no curso são uma integração do que vivenciamos”, conta Aline, que trabalha na área administrativa da Aresol, cuja sede está situada em Senhor do Bonfim (BA).
Egressas da Escola Família Agrícola do Sertão (Efase), de Monte Santo, onde estudaram juntas, elas atuam em comunidades de fundo de pasto, onde Elisandra também mora. “A gente não pensava na agenda climática, mas nossa comunidade sempre teve uma preocupação com a preservação da caatinga, utilizando práticas de baixa emissão de carbono na agricultura e na criação dos animais. Na escola, isso parecia uma coisa muito distante, mas é o que fazemos hoje”, diz Aline. E segundo Elisandra, agricultora familiar e técnica em extensão rural, o conhecimento adquirido no curso TecABC será partilhado com a comunidade.
Proposta – O curso TecABC tem carga horária total de 450 horas, das quais 390 horas são de aulas teóricas e práticas e outras 60 dedicadas à elaboração do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC). Os docentes integram o quadro dos Programas de Pós-Graduação em Agroecologia e Desenvolvimento Territorial (PPGADT) e em Extensão Rural (PPGExR) da Univasf. O coordenador do TecABC, Bruno Cezar Silva, esclarece que o curso concederá dois tipos de certificação: extensão universitária para os discentes que não têm graduação completa e especialização lato sensu para os já graduados. Os pós-graduandos, após o final do módulo prático, terão até março de 2022 para entregar o TCC.
O coordenador regional do PRS Caatinga, Francisco Campello, diz que o processo de formação visa fortalecer e agregar valor às práticas tradicionais de convivência com o semiárido, além de inserir métricas para análise de impacto sobre elementos relacionados às perdas de solo e ao processo erosivo, entre outros, que comprometem o ambiente de produção e liberam carbono para a atmosfera. “O curso mostra que o próprio bioma caatinga oferece alternativas de segurança alimentar, energética e hídrica, associadas à conservação da paisagem e dos serviços ecossistêmicos, atendendo demandas da sociedade. Ao mesmo tempo pode gerar renda e trabalho. Tudo isso sem impactar no contexto das emissões, trabalhando com boas práticas e usando processos naturais de enriquecimento de solo, adubação orgânica”, afirma.
O módulo teórico foi elogiado pela discente Maria Eunice de Jesus, coordenadora institucional da Aagra, com sede em Igaci, município a cerca de 95 quilômetros da capital Maceió. Eunice participa do TecABC com outros oito integrantes da Aagra, dos quais quatro participaram do módulo prático junto com ela. A Aagra é uma ONG que atua em todo o estado de Alagoas com projetos de desenvolvimento rural sustentável, educação do campo e agroecologia, e com a implantação de tecnologias sociais de convivência com o semiárido.
“Fiz curso técnico de Agroecologia, mas aqui tivemos a oportunidade de ver os assuntos com mais profundidade, tratando de conceitos mais atuais. Estamos passando por uma crise global e os professores conseguiram fazer uma atualização da situação no Brasil e no mundo. E deixaram muito clara a situação, não isolaram do contexto social e econômico que estamos vivendo”, diz Eunice, referindo-se à pauta da emissão de gases e dos danos ao meio ambiente, tendo como pano de fundo a realização da COP26.
Bruno Cezar Silva, que também é doutorando em Agroecologia e Desenvolvimento Territorial, destaca o pioneirismo do tema e a relevância, para toda a região, da escolha da Univasf para sediar o TecABC junto com as instituições parceiras. “Estamos em um momento crítico, com muitas discussões em torno de ações de mitigação e adaptação às mudanças climáticas para consolidar uma economia de baixo carbono na agricultura brasileira. Nossos docentes fortalecem a agenda de boas práticas de convivência com o semiárido e agregam novas experiências com estes extensionistas e convidados parceiros”, diz o coordenador do curso.
Ele destaca que o projeto contribui para fortalecer os programas já desenvolvidos no âmbito da Univasf, como o mestrado em Extensão Rural e o doutorado em Agroecologia e Desenvolvimento Territoral, primeiro doutorado profissional interdisciplinar em rede do Brasil. Silva conta que a parceria para realização do curso TecABC poderá gerar outras ações futuras, entre as quais a criação de uma rede de instituições, com o intuito de incentivar a agricultura de baixo carbono no semiárido.
Francisco Campello ressalta que o TecABC provoca a reflexão sobre como o agricultor familiar pode ser protagonista do processo de produção sustentável. “Essa é a grande responsabilidade e oportunidade que o curso promove: traz o agricultor familiar para o centro de um debate e de uma agenda globalizada e o coloca como protagonista desse processo”, finaliza.
Fonte: Ascom Univasf
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