50 anos de história, lutas, conquistas, resistências e descobertas marcam celebração das bodas de ouro da Pedagogia da Alternância no Brasil. O momento celebrativo e propositivo foi realizado por meio de três eventos, que ocorreram na mesma data e local, de 11 a 13 de setembro, em Salvador. Organizado por entidades ligadas às Escolas Famílias Agrícolas (Efas), a I Conferência Nacional de Pedagogia da Alternância, o I Colóquio Interdisciplinar da Pedagogia da Alternância e o IV Seminário Internacional da Pedagogia da Alternância no Brasil mostraram ao mundo a potência de um fazer pedagógico que tem transformado a vida dos povos, principalmente, do campo.
A I Conpab viabilizou o intercâmbio de mais de 400 pessoas vindas/os de todas as regiões do Brasil e de mais quatro países diferentes, representando mais de 15 redes de entidades e de Efas, associações. Com uma programação extensa que contemplou as diversas linguagens, a celebração da existência da Pedagogia da Alternância se deu através seminários, painéis, mesas redondas, exposição de trabalhos e lançamento de livros, que construíram o conjunto de debates e reflexões em torno da temática do evento: “Juventudes e Educação, Saberes e Fazeres da Formação em Alternância no Brasil”.
Para a coordenação do evento, o momento foi de olhar para a história, avaliar a caminhada e projetar o futuro. “50 anos é um marco que vai nos apontar quais são as nossas ações para o futuro das Escolas Famílias Agrícolas, que foi construída por famílias, por comunidades”, pontuou o Presidente da União Nacional das Escolas Famílias Agrícolas do Brasil (Unefab), José Claudino Capeline, de Guarapari, no Espírito Santos. “50 anos é um tempo que se revitaliza a nossa esperança, onde os jovens do meio rural sejam felizes e possam viver bem seja no campo ou no meio rural”, acrescenta o presidente, que teve a expectativa de ver a força das Efas demonstrada na Conferência em solo brasileiro.
Para Tiago Pereira*, da Rede de Escolas Famílias Agrícolas Integradas da Bahia (Refaisa), uma das entidades que coordenou o evento, a Conferência “cumpriu sua função filosófica a partir do momento que consegue retroalimentar as esperanças, consegue restabelecer as energias, sobretudo de estudantes, monitores, de líderes comunitários, de parceiros que acreditam no movimento das Escolas Famílias Agrícolas do Brasil”. Tiago destacou também que a Conferência se materializa dentro de um contexto de crise, “ mas ela consegue dar respostas: nesse momento é possível a gente construir um projeto de educação a partir da organicidade das comunidades rurais, da classe trabalhadora. É esse recado que a gente precisa dar a a sociedade, que o projeto educativo denominado Escola Família Agrícola está vivo e se apresenta como uma proposta concreta de educação contextualizada no e do campo”, argumenta.
“O nosso desejo é que esse sistema da alternância cresça, evolua e se adapte … sem se descuidar das bases do sistema (família, formação integral)”, avaliou o presidente da AIMFR (Associação Internacional dos Movimentos Familiares de Formação Rural), Octacílio Echenagusia. Na concepção de Octacílio esse tipo de encontro, não só por ser internacional, fortalece os vínculos entre os/as atores e o saber produzido a partir das vivências. “O mais importante é que se tenha presente sempre as bases, que se faça pensar nos princípios para não distorcer o sistema”, propõe. Ele informa que há um movimento internacional em reafirmar cientificamente os impactos e resultados da pedagogia da alternância, buscando apontar os resultados corroborados pela ciência de algo que eles já fazem há décadas.
Thierry de Burghgrave, Assessor da Refaisa e quem trouxe a Pedagogia da Alternância para o estado da Bahia, avaliou que o evento demonstrou a força da coletivo das Escolas que trabalham com a alternância, mesmo com todas as crises que veem enfrentando. “Os Ceffa’s (Centros Familiares de Formação por Alternância) junto com as Casas abriram caminhos nesse Brasil para valorizar o campo, o homem e a mulher do campo para dar a eles o estatuto de cidadãos brasileiros, cidadãos planetários. Então, nós estamos vislumbrando um futuro melhor… nós temos a força para vencer. Foi comprovado nessa primeira conferência aqui”, conclui.
Ao longo dos três dias, o conjunto de atividades contribuiu para avaliar a caminhada e também apontar novos rumos e reflexões em torno desse sistema educacional. Propostas, subsídios, relatos e pesquisas foram sistematizadas a partir da discussão coletiva, apontando estratégias e ações para fortalecer o conjunto dessa educação que prioriza quem mais lhes é negado o direto à educação, os povos do campo. “Essa pedagogia vem sendo luz, sobretudo para a classe trabalhadora. Acreditamos que todos esses subsídios servirão de alento e fortalecerão esse sistema concreto que vem ajudando a emancipar a classe trabalhadora”, aponta Tiago.
“Eu sou fruto desses 50 anos de história. Se hoje estou na universidade é porque muita gente lutou nesses 50 anos de história. Se a gente se comprometer esse projeto não morre”, defende a ex-estudante de Efa e hoje monitora da Efase e integrante da Refaisa, Camila Moraes. Ela argumenta ainda que é preciso derrubar o estereótipo que os/as estudantes do campo não querem educação de qualidade no campo: “a gente gosta de educação de qualidade. Eu nasci dentro da Escola Família Agrícola”, expressa.
Uma das integrantes da delegação internacional, a Deputada Estadual da província de Missiones, na Argentina, María Cristina Bandera, afirmou que a educação em regime de alternância é um legado que os povos do campo assumem e que contribuem com toda a sociedade, apontando as possibilidades de fazer educação no e do campo com qualidade e resultados efetivos pata a sociedade.
Para o secretário de educação do estado da Bahia, Jerônimo Rodrigues, que apoiou o evento, a Conferência é um marco histórico para a educação do campo, que emerge de um contexto de negação dos povos do campo do direito a educação. “As escolas famílias agrícolas são do mundo, não só do Brasil. O que está sendo posto aqui no evento de três dias, não é só resistência, mas é ampliar um projeto de Efa com a sociedade brasileira, Uruguai, espanhola, Argentina”, defende. Na ocasião, ele reafirmou o compromisso da secretaria que hoje ele representa em fortalecer as Escolas Famílias Agrícolas em todo o Estado.
Também integrante do governo baiano, Célia Watanabe, representante da Secretaria de Desenvolvimento Rural da Bahia, destacou que “nós estamos num evento que verdadeiramente os sujeitos tem a fala, que estão aqui como sujeitos de fala e de lugar… fortalecendo o rural, a educação. Fazer 50 anos não é pouca coisa. É uma longa jornada”, observou.
Participaram do evento também intelectuais, escritores/as, gestores/as da área, Universidades Estaduais e Federais do Estado da Bahia, que também foram apoiadoras do evento, representantes do Governo da Bahia, Maranhão, Minas Gerais, além de pesquisadores/as e estudiosos/as, representante ddo Governo da Bahia, Deputadas estaduais do Brasil e da Argentina, além das redes regionais das Efas do Brasil, Uruguai, Argentina e Espanha.
Pedagogia da Alternância no Brasil
A pedagogia da Alternância chegou ao Brasil em 1969, no Espírito Santo, e depois se espalhou por todo o país onde existem atualmente 145 escolas Famílias Agrícolas. “Na época, a realidade do jovem no meio rural era caótica. Esses jovens na cidade perdia sua identidade e ficava distante de suas famílias, foi quando o Padre Alberto implantou uma escola que os jovens pudessem ficar no campo, perto de suas famílias”, assim surgiu a Efas no país, explicou Capeline.
O evento foi realizado pela Unefab, Refaisa e Associação das Escolas das Comunidades e Famílias Agrícolas da Bahia (Aecofaba). Foram co-realizadoras do evento, Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada (Irpaa), Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf), a Universidade Federal do Recôncavo Baiano (UFRB), Universidade do Estado da Bahia (Uneb), Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFPE), em parceria com a Secretaria de Educação do Estado da Bahia, Companhia Desenvolvimento e Ação Regional – CAR, Articulação no Semiárido Brasileiro – Asa, Embrapa Semiárido, AIMFR, Misereor, Kindemissione, Fórum Baiano da Agricultura Familiar e a Terra dos Homens.
Fonte: IRPAA
*Tiago Pereira da Costa (REFAISA/ IRPAA) é egresso do Mestrado Profissional em Extensão Rural – PPGExR/Univasf e doutorando em Agroecologia e Desenvolvimento Territorial – PPGADT/Univasf.
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